Crônica publicada no Informativo da DESO, de 15 de fevereiro de 2002, escrita pelo ex-aluno Marcelo Batista Santos.

Pela terceira vez, ex-colegas do Colégio Estadual Atheneu Segipense se reuniram para reviver a época de estudante. O evento, que foi realizado em dezembro de 2001. Desse evento, participaram os engenheiros Marcelo Batista, Max Maia Montalvão e o técnico Raul Carvalho. Nessa edição especial, o colega Marcelo Batista faz uma reflexão do reencontro.

Às vezes faço isto:
– Bom dia! Gostaria de falar com a Diretora.
– Bom dia! Quem é você?
– Um ex-aluno.
– E o que deseja?
– Percorrer os corredores e as salas de aula do Colégio.

Começo a subir a escada que conduz à congregação e à sala dos professores. Acima, uma “amputação”, onde funcionava o espaço cultural. Neste local improvisaram um auditório, cortando do colégio o Teatro. Atravesso um portão gradeado; dirijo-me ao corredor superior norte. Contemplo conhecidos cantos. Há uma série grande de elementos construtivos, testemunhos de vidas, que lutam contra o tempo, as intempéries e os descasos… um rodapé, uma soleira, janelas outrora abertas, azulejos quebrados. Um pormenor besta, banal mesmo, passa a ter importância fora do comum. Entro em uma sala, abro as gavetas; visualizo no quadro negro a última aula; observo o delicado vazio neste belo momento humano. Muitos esta sala já abrigou. Continuo minha perquirição solitária. Agora, caminho pelo corredor superior leste. As recordações desordenadas e amarradas com o nó de marinheiro ganham um ordenamento de tempo e espaço; ficam soltas, palpáveis à minha frente. Relembro pessoas e situações, são impressões visuais produzidas por cenas da adolescência. Nenhuma delas tem grande conteúdo, mas são minhas e inesquecíveis.

Embriagado pelos sentimentos de perda, afastamento e ausência, começo a percorrer o corredor sul. Vejo à direita a quadra de esporte, o banco ensombreado pelo oitizeiro, onde nasceram grandes amores de insignificantes começos. Aqui, penso em dois professores: Padre Pedro, mestre que ensinava pelos exemplos. Se reencarnação houver, ele não virá mais: era perfeito. Nunca vi nada igual. E Maria da Glória Portugal, a professora Glorita, belo exemplo de mulher, que soube suportar a dor de existir, com coragem, dignidade e elegância. Nela, cada ato era precedido de uma consciente decisão.

Desço a escada, dissolvendo a angustiante embriaguez, que me conduz à saída. Há 30 anos eu e toda uma geração, após isso partimos esperançosos, com uma bagagem de boas recordações de tudo que ficara para trás, para vivermos uma misteriosa e interminável transição.

DEZEMBRO DE 2001 – Atheneu 30 anos depois

Com serena firmeza e tímido silêncio vão chegando seus ex-alunos. A maioria vem sozinha. Outros trazem filhos, esposas ou maridos.

À chegada, somos recebidos pelo ex-porteiro Bia e por uma linda estudante trajando farda de gala, empunhando a Bandeira Nacional. Adiante, um painel com uma homenagem póstuma a ex-alunos a quem o destino decidira diferentemente. Nele encontro fotos de um irmão e dois amigos. Lágrimas vêm aos olhos. Afasto- me para chorar. Recomponho-me e entro, após assinar a lista de presença. Ocupo uma mesa, acompanhado por colegas destacando o guerreiro Clodualdo.

Chegam ex-professores, ex-diretores e funcionários aposentados. Ovacionados de pé pelos presentes que já ultrapassam duzentos, a bedel Dona Valdice e a professora Glorita, com seus quase noventa anos.

Fico pensando de que substrato é feito o Atheneu. Será o mesmo das catedrais?

Que filandra é esta que une todos os presentes, hoje médicos, advogados, engenheiros, professores, funcionários públicos e privados, empresários e até desempregados? Será que no inconsciente de todos o Atheneu representa uma síntese de um mundo a revocar?

Trinta anos é muito tempo. O inconformismo e a permissividade foram a marca da minha geração. Confronto-a com o presente. Hoje, psicólogos destilam o inconformismo dos nossos filhos e a permissividade, esvaiu-se. Continua a mesma irresolução do homem perante a vida.

Soa a sirene. Fantasmas saudosos tomam conta de todos. Brota um silêncio eloqüente, depois são palmas, arrepios e choros. Desculpe-me John Lenon, mas o sonho não acabou. Somos todos alunos; acordamos e estamos aqui para mais um dia de aula. Sabemos que existe muita coisa triste. Grandes são os nossos problemas, angústias e aflições. Maiores são nossas culpas. Esqueçamos isto … Gracias a la vida… Dois mundos em perigosa e delirante proximidade.

Tocam o Hino Nacional. Um temeroso e esperançoso orgulho pelo Brasil irradia dos presentes. Professores fazem a chamada e nós alunos respondemos. Alguém da comissão organizadora inicia a oração de São Francisco, e todos acompanham. O porão está em rebuliço. Coisas internas se misturam com as externas. Logo após é servido o almoço.

“Era um garoto que como eu / amava os Beatles e os Rolling Stones”… Começa a parte musical. As mulheres formam uma roda e dançam alegremente para espantar as tristezas do passado e do presente.

Atheneu, valeu a pena voltar a esta revisita coletiva, porque você é antes de tudo uma grande lição de beleza. Valeu a pena voltar para ouvir, depois de um olhar, um sorriso, um beijo na face, um aperto de mão ou um efusivo abraço, quatro palavras, simples, mágicas e niveladores: Oi, colega, tudo bem?